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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

DOCE ESCURIDÃO - parte 2



A FLORESTA ASSOMBRADA


 A garota ergueu os olhos para o céu, mas as árvores eram tão próximas umas das outras que não era possível ver as estrelas, muito menos a lua, que estava negra naquela noite. Eles andaram tateando durante um tempo, mas depois de muitos tropeços e pés presos em buracos e raízes, resolveram parar.
                — Quando o sol nascer continuamos — disse Kevin, encostando-se numa árvore e sentando no chão. — Durma.
                Sophie juntou as folhas que encontrou ao seu redor e deitou sobre elas, mas não conseguiu dormir. O vento que soprava entre as árvores fazia-as ranger e balançar, enchendo a floresta com fantasmagóricos agouros, gelando a espinha da garota. O resto da noite pareceu demorar uma eternidade para passar, mas, quando o sol enfim começou a nascer, uma pálida luz cinzenta inundou a floresta, revelando troncos antigos e retorcidos, com folhas escuras que bebiam o fraco brilho que conseguia passar pelas copas das árvores. Não se podia enxergar mais do que dois metros em qualquer direção, tão densa era a vegetação. Kevin ainda estava sentado no mesmo lugar, com olheiras e um profundo arranhão na bochecha. Ele encarava o nada, com o machado em mãos. Sophie olhou em volta, tentando descobrir de onde haviam vindo, mas eles andaram às cegas durante muito tempo, e agora ela tinha perdido totalmente a noção de onde se encontravam.
                — Estamos perdidos — disse Sophie, levantando-se e limpando o vestido de tecido rústico.
                Kevin assustou-se, agarrando o machado com força e olhando em volta. Ele encontrou a irmã em pé, tirando gravetos do cabelo. Após olhar rapidamente as árvores ao seu redor, chegou à mesma conclusão.
                — Não podemos estar muito longe da estrada, não andamos tanto assim.
                — Para onde vamos agora?
                — Não sei — disse ele, já de pé e girando nos calcanhares. — Podemos procurar alguma coisa para comer, quem sabe encontramos até uma cabana.
                — Uma cabana? Aqui? — Sophie franziu a testa.
                — Você tem alguma ideia melhor? — rebateu ele, irritado. A irmã limitou-se a olhar para o chão. — Me dê seu colar.
                — O quê?
                — Seu colar. Me entregue ele.
                — Pra que você o quer? — rebateu ela, agarrando-se ao objeto. — Foi a mamãe que me deu.
                — Vamos usar as contas dele para marcar o nosso caminho pela floresta. Se elas acabarem, nós voltamos para cá e tentamos outra direção.
                Sophie hesitou em tira-lo do pescoço, mas por fim entregou-o ao irmão. Ele partiu o fio que o sustentava e segurou as contas na mão em concha. Os dois penetraram ainda mais fundo na floresta sombria, passando por troncos cinzentos e galhos retorcidos. Kevin ia à frente, jogando as bolinhas vermelhas por onde passava. Caminharam por horas e horas, sem encontrar nada que lhes pudesse ser útil. Cada árvore parecia ser igual a anterior, derramando as mesmas sombras sobre o mesmo solo em decomposição. As contas, enfim, acabaram, e os dois começaram a regressar. Voltaram seguindo o caminho das bolinhas vermelhas, pegando-as e guardando nos bolsos, no entanto, depois de algum tempo, não conseguiram mais encontra-las. Procuraram ajoelhados por entre folhas e raízes, mas não acharam as outras contas em lugar algum. Sophie, depois de desistir, levantou-se e começou a limpar os joelhos, quando enxergou um sutil brilho vermelho numa árvore próxima. Aproximou-se e descobriu que era uma das contas, presa num dos galhos. Esticou a mão e pegou-a, olhando-a com curiosidade.
                — Foi você que a colocou aqui? — perguntou ela, sem olhar para trás.
                Não foi uma resposta que chegou aos seus ouvidos, e sim um grito e um baque surdo. Ela virou-se, sobressaltada, e encontrou o irmão jogado no chão, empunhando o machado e lutando contra... alguma coisa que havia agarrado seu pé. Foi quando sentiu algo roçando em seus cabelos, e, no momento em que levantou a mão e levou-a a cabeça, um galho enroscou-se em seu pulso. Ela puxou o braço com toda a força, mas o galho prendeu-a ainda mais, e sentiu uma raiz enrolando-se em seu tornozelo. Um grito de fúria chamou sua atenção, e, quando olhou para frente, deparou-se com o irmão correndo em sua direção, erguendo o machado sobre a cabeça. Ela fechou os olhos, esperando pelo pior, mas tudo o que sentiu foi o pulso que estava preso relaxar. Quando abriu os olhos, seu braço estava livre novamente, e Kevin atacava a raiz que se enroscava em sua perna. No momento em que ele finalmente conseguiu corta-la, o que sobrou voltou contorcendo-se para dentro da terra. Mais galhos e raízes erguiam-se ao redor dos irmãos, então os dois começaram a correr desembestados por entre as árvores; Kevin na frente, golpeando com o machado qualquer coisa que entrasse em seu caminho, e Sophie atrás, brandindo o punhal e cortando o ar, e algumas folhas.
Os dois tiveram a impressão de ver rostos nas árvores, alguns sorridentes, outros bravos, sussurrando para eles qualquer coisa incompreensível. A floresta havia se tornado mais fechada, e ficava cada vez mais difícil driblar dos galhos que tentavam agarra-los. Um deles agarrou no braço em que Kevin levava o machado, e outro, enroscou-se em sua cintura. Ele procurou pela irmã, e encontrou-a sendo arrastada, aos gritos, por uma raiz. A garota apunhalou-a, mas outras já haviam se juntado a primeira, e subiam por suas pernas. Sophie estava sendo puxada em direção a uma árvore cinzenta e esguia. Ele tentou gritar, mas um galho grosso enroscou-se em sua boca e garganta, sufocando-o. Sentiu-se sendo puxado para trás, com raízes e cipós enrolando-se por todo o seu corpo, apertando-o cada vez mais forte.
O ar já não entrava nem saia de seus pulmões, e sua vista estava começando a turvar-se. Ele não tinha mais forças em seus membros, e parou de resistir à árvore. Kevin não escutava mais os gritos da irmã, e a floresta escurecia e fechava-se ao seu redor. Quando ele já havia abandonado qualquer ilusão de sair vivo dali, uma luz dourada irrompeu na sua frente, derramando-se sobre uma sombra púrpura. O vulto caminhou em sua direção, banindo as árvores para a escuridão. A figura ficava cada vez mais próxima, num turbilhão de roxo e dourado. Kevin perdeu todas as suas forças, e mergulhou nas sombras da floresta, deixando qualquer luz ou esperança para trás. A morte é roxa, foi o que ele pensou enquanto despencava nos ecos da escuridão.



(continua)

2 comentários:

Claudio Chamun disse...

Meu.. termina logo esta estória. Que agonia - kkkk.

Muito boa.
Aguardando o final.

www.cchamun.blogspot.com.br
Histórias, estórias e outras polêmicas

Jefferson Reis disse...

As florestas assombradas de meu mundo são parecidas com as suas.