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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

CAUSA DA MORTE


                


Eu caminhava sozinho numa estrada empoeirada e sem vida, até que ela surgiu no topo do morro; como um sol, derramando uma luz prateada e fria onde antes só havia o silêncio e a escuridão. Eu gostava daquele brilho; cheirava a futuro, recomeço. Ela me abriu os braços, e sorriu. Ela sorriu... para mim. Cada mínima partícula de poeira ficou estática, suspensa no ar, quando aquele sorriso nasceu em seus lábios. A Terra parou de girar; os pássaros silenciaram seus incessantes cantos. Ela me abriu os braços, e eu lhe abri a alma.
                Ela pegou minha mão e me levou pela estrada, que agora florescia e crescia. Falou-me sobre os mistérios dos homens, e as certezas do paraíso.  Contou tudo o que sabia sobre as flores, as estrelas e a vida; e ora dizia que era uma princesa, ora que era fada. Por vezes, me olhava como uma garota, outras, falava-me como uma mulher. Certo dia, encontramos uma gigantesca e frondosa árvore.  Sua sombra era fresca; o verde de suas folhas, vívido; e grama que crescia ao seu redor, acolhedora. Ela, de súbito, me tirou para dançar, cantando uma melodia desconhecida. Ela acelerava e desacelerava quando bem entendia, e eu rodopiava em seus braços, e ela nos meus. Eu sentia sua pele, seu cheiro, e continuávamos a rodopiar perante a árvore, sem parar, cada vez mais rápido, e mais rápido... até que tropecei, e caí. Fiquei com as mãos enfiadas na terra úmida e viva. Ergui os olhos. Ela estava mais resplandecente do que nunca. Uma aura dourada (não era prateada?) emanava de sua cabeça; “um anjo”, pensei, “uma deusa”. Eu abri a boca para falar, mas um vento gelado invadiu-a, trancando as palavras na minha garganta. Eu me esforçava, mas meu corpo estava, literalmente, congelado. Minhas mãos estavam presas na terra, impossibilitando-me de levantar. O vento ficava cada vez mais forte, e mais frio; mas ela continuava olhando-me, sorrindo, resplandecente. O gelo subia por meus braços e pernas, transformando-me numa estátua, até que, juntando todo o calor e vida que ainda restava no meu amaldiçoado corpo, consegui sussurrar:
               
— Eu te amo — então congelei por completo, com as mãos cravadas na terra e um eco na garganta.
               
Ela limitou-se a dar uma risadinha, como tantas outras que já havia dado, mas, seus olhos... seus olhos haviam mudado, ou quase isso. Eles antes eram brilhantes e acolhedores, curiosos e inquietos, mas, agora, pareciam ser de vidro, frios e sem vida, e gigantescos, como os olhos de alguma fera monstruosa e faminta, dessas que se encontram nas histórias infantis. O gelo que me prendia trincou, nada além disso. Sua risada tornou-se uma gargalhada, depois um rugido.
“Meu brilho não é para você” foi tudo o que ela disse antes de irromper em chamas e desaparecer. O gelo por fim espatifou-se, e eu caí de cara na terra, antes úmida, agora seca e morna. Levantei-me com dificuldade e olhei em volta. Tudo estava pegando fogo; as flores, os arbustos, a árvore. Principalmente a árvore. O céu estava vermelho, e pássaros negros voavam... atiravam-se em todas as direções, fazendo muito barulho. Não havia por onde sair e para onde fugir. Eu queimaria ali, e, ao que parecia, eternamente. Rasguei versos e rimas na minha própria carne, na esperança de que ela sentisse o cheiro de sangue e voltasse, mesmo que fosse para acabar de uma vez comigo. Mas ela não vinha.  A poesia sangrava em mim, derramando tinta vermelha sobre as chamas. O fogo aproximava-se cada vez mais, e ela não apareceu; nunca apareceu. No fim das contas, nós sempre estamos sozinhos.


Para o garoto que vive de sorrisos, mas que pediu-me
para escrever sobre suas lágrimas;
Anderson

9 comentários:

Anderson Brito disse...

Simplesmente Perfeito...
Obrigado Pedro por transmitir em sua obra tudo o que eu passei e que você presenciou do meu sofrimento...

Pedro Lourenço disse...

Minha capacidade de escrever coisas sem sentido tinha que servir para alguma coisa'

Claudio Chamun disse...

Pedrão: Excelente texto, mas meu recado é para outro cara;

Anderson: Foco na alegria. Poderá ainda ter muitos tombos pela frente. Mas, todos, ao te levantar, o tornarão mais forte.

www.cchamun.blogspot.com.br
Histórias, estórias e outras plêmicas

Anderson Brito disse...

Brigadão pelo recado Claudio... Mas depois desse tombo que foi forte já faz um tempo que eu penso isso mesmo...

ela, Nanda Dearo disse...

Concordo com o Cláudio. Ótimo texto, mas foco na alegria ;)

Dá pra começar por aqui:
http://anteontemmusical.blogspot.com.br/2012/10/paradas-de-sucessos-3-top-10-1985.html#more

;)

Pedro Lourenço disse...

Obrigado pessoas'

Jefferson Reis disse...

Muito subjetivo. Isso me encanta.

Unknown disse...

Tá virando moda , isso de dedicar histórias... Muito,muito lindo. Meu amigo é "O" cara. Como ele escreve bem. Deve ter alguma magia por trás disso e ele não me conta!

Pedro Lourenço disse...

Tá virando moda nada... vocês que não me deixam em paz.
E eu sou uma farsa, uso pena de repetição rápida. Tá aí o meu truque'